O Brasil assumiu a presidência rotativa do BRICS em de janeiro em um momento em que a agenda política e econômica do bloco se choca frontalmente com os interesses dos Estados Unidos enquanto líder global, conforme expressado pelo recém-empossado presidente Donald Trump.

Durante a cerimônia de posse na segunda-feira, 20 de janeiro, Trump reiterou suas ameaças de retaliação comercial, caso o grupo de países formado por Brasil, Rússia, Índia, China, África do Sul, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia avancem com seus planos de buscar alternativas ao dólar como moeda corrente para transações comerciais e reserva de valor.

Já eleito, em 30 de novembro, Trump ameaçou impor tarifas de até 100% sobre produtos produzidos pelos países do BRICS, caso os membros do grupo continuem trabalhando para minar a hegemonia do dólar em uma postagem na Truth Social:

“Exigimos que esses países se comprometam a não criar uma nova moeda do BRICS nem apoiar qualquer outra moeda que substitua o poderoso dólar americano, caso contrário, vamos impor tarifas de 100% [às suas exportações] e [eles] deverão dizer adeus às vendas para a maravilhosa economia norte-americana.”

Apesar das ameaças, especialistas em relações internacionais acreditam que, ao assumir a presidência do BRICS, o Brasil tem a oportunidade de direcionar a agenda do grupo para temas sensíveis aos seus interesses.

Dependência do dólar

Tradicionalmente, o Brasil se caracteriza por adotar uma postura de neutralidade no campo geopolítico, mas a dependência do dólar tem se mostrado nociva à economia nacional. Assim, cabe ao país propor iniciativas que criem alternativas ao dólar sem confrontar diretamente a hegemonia da moeda norte-americana, afirmou Cassio Zen, doutor em direito internacional pela Universidade de São Paulo (USP) e pesquisador do Grupo de Estudos sobre os BRICS (GEBRICS), em uma edição do podcast Mundioka:

“É uma possibilidade rica, porque daria em certa medida uma previsibilidade e uma alternativa tanto para o governo quanto para os empresários. Observamos o dólar disparando a cada semana, e por isso é importante ter alternativas inclusive para o comércio brasileiro, porque a volatilidade do dólar bagunça toda a nossa balança comercial.”

Karina Calandrin, professora de relações internacionais do Ibmec São Paulo, acrescenta que a flutuação do dólar tem impactos diretos sobre a população brasileira que poderiam ser mitigados com a desdolarização:

“Se o dólar sobe, sobe o preço de tudo dentro do Brasil e o brasileiro perde poder aquisitivo. O seu poder de compra diminui, porque o real perde poder de compra em relação ao dólar. O Brasil é um país agrário-exportador, e todos os insumos para a área agrícola vêm de fora e são comprados em dólar. Se a gente fizesse o comércio não em dólar, mas nas nossas moedas locais, isso facilitaria.”

O fato de o BRICS reunir países que são rivais regionais, como China e Índia, e ainda assim ter sido capaz de avançar em objetivos comuns, sugere que a desdolarização da economia global e a busca por um mundo multipolar não deve ser abordada sob uma ótica beligerante, afirma Lia Valls, senior fellow do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e professora adjunta da Faculdade de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ):

“A política externa brasileira segue uma linha de manter, sempre que possível, uma certa neutralidade. O Brasil tem demonstrado que ele não gostaria que o BRICS fosse entendido como um movimento anti-Ocidente, anti-Estados Unidos, da mesma forma como ele não quer ser identificado como pró-Estados Unidos.”

A adoção de moedas de países membros do grupo em transações comerciais é um primeiro passo importante nesse sentido, acrescenta Valls. Como todas as moedas hoje são fiduciárias, isto é, são baseadas na confiança no emissor, e não no lastro em algum ativo subjacente, basta ter a aceitação dos outros países e a infraestrutura necessária para que novos arranjos financeiros sejam criados.

A tokenização de ativos do mundo real (RWA) e a tecnologia blockchain podem vir a desempenhar um papel central na nova economia promovida pelo BRICS, acrescenta Valls:

“À medida que as trocas de mercadorias crescem, você pode criar títulos emitidos em moedas locais que outros países aceitem. Você pode desenvolver moedas digitais. Tudo isso pode acontecer gradualmente sem uma confrontação direta com os Estados Unidos. É uma tendência.”

Diversificação de reservas é uma tendência em alta

A busca por ativos de reserva alternativos é uma tendência crescente entre os principais membros do BRICS. China e Rússia vêm trocando suas reservas em dólar por ouro, especialmente depois que os Estados Unidos impôs sanções econômicas ao gigante europeu por decorrência da invasão da Ucrânia.

Por enquanto, o dólar é o ativo dominante nas reservas cambiais do BRICS. Uma eventual desvalorização da moeda norte-americana teria como efeito colateral o empobrecimento dos países do BRICS, alerta Renan Silva, professor de economia do Ibmec Brasília:

“Uma desdolarização relevante do dólar afetaria mais os países do BRICS do que os Estados Unidos. Após o fim do padrão ouro, com receio de um ataque contra o dólar ou com a desvalorização do dólar, eles acumularam uma reserva absurda de ouro. E esse é um outro quesito que dificulta a vida do BRICS.”

Bitcoin pode se tornar um ativo de reserva alternativo?

Diante dos impasses geopolíticos e macroeconômicos, haveria espaço para o Bitcoin (BTC) se consolidar como um ativo alternativo de reserva de valor. Atualmente, China e Estados Unidos são os dois países que possuem as maiores reservas de Bitcoin do mundo, embora elas não estejam incorporadas aos seus Tesouros nacionais.

Enquanto isso, a Rússia avança na legalização da mineração e na regulação para autorizar o uso do Bitcoin como meio de pagamento em transações comerciais internacionais. Em dezembro do ano passado, o ministro da Fazenda Russo, Anton Siluanov, afirmou que o governo aprovou leis que autorizam transações comerciais com ativos digitais e Bitcoin.

No Brasil, o deputado federal Eros Biondini (PL-MG) apresentou o Projeto de Lei 4.501/2024 em novembro, propondo a criação de uma reserva estratégica de Bitcoin para diversificar os ativos do Tesouro Nacional.

Inicialmente, a Reserva Estratégica Soberana de Bitcoins (RESBit) teria uma proporção de 5% das reservas internacionais do país. O montante seria equivalente a US$ 17,75 bilhões – ou 177.500 BTCs a preços atuais de mercado.

A participação de Bitcoins nas reservas brasileiras seria aumentada gradualmente, visando “garantir a soberania financeira do Brasil nas próximas décadas”, conforme noticiado pelo Cointelegraph Brasil recentemente.