A Instrução Normativa RFB 2.219/24, que exige que todas as transações superiores a R$ 5.000 para pessoas físicas e R$ 15.000 para pessoas jurídicas sejam reportadas à Receita Federal, inclusive aquelas realizadas via Pix, cria um dispositivo de vigilância e controle estatal sobre as movimentações financeiras dos cidadãos brasileiros, afirmou o economista Fernando Ulrich em um vídeo divulgado na quarta-feira, 8 de janeiro, no YouTube.
“Se um produto é gratuito é porque você é o produto. É exatamente isso que acontece com o Pix, que é um serviço prático e gratuito para pessoas físicas”, afirma Ulrich. “Em contrapartida, elas se tornam vulneráveis a todo tipo de monitoramento e cerceamento por parte do Banco Central e do governo.”
Anunciada pela Receita Federal como uma medida para combater a evasão fiscal e a sonegação de impostos, a regra abre precedentes para restrição da liberdade e da privacidade financeira dos brasileiros, em um movimento que poderá ser ampliado com a implementação do Drex – a moeda digital de banco central (CBDC) do Brasil.
Ulrich destacou que a maioria dos usuários do Pix estará sujeita à vigilância da Receita Federal, uma vez que a IN 2.219/24 determina que “não apenas transferências que ultrapassem aqueles montantes sejam reportadas à Receita, mas sim o somatório das movimentações financeiras de cidadãos e empresas em um único mês.”
Além disso, a concentração de dados financeiros de pessoas físicas e jurídicas nos servidores da Receita Federal pode colocar em risco a segurança e a integridade física dos cidadãos:
“Uma consequência dessa coleta enorme de informações pela Receita é que os cidadãos ficam vulneráveis a ataques hackers ou a um acesso não autorizado de dados sigilosos por algum criminoso. É praticamente um mapa do tesouro.”
“Caso algum cidadão tenha a sua privacidade financeira violada por criminosos e seja vítima de crimes, o governo ou a Receita Federal serão responsabilizados?”, questiona o economista.
CONTEÚDO
IN 2.219/24
Em 1º de janeiro, entraram em vigor os termos da IN 2.219/24, determinando que todas as transferências superiores a R$ 5 mil para pessoas físicas e R$ 15 mil para pessoas jurídicas deverão ser reportadas à Receita Federal.
Anteriormente, instituições financeiras tradicionais como bancos e cooperativas de crédito já eram obrigadas a reportar as movimentações financeiras realizadas por seus clientes, incluindo saldos e transferências em conta corrente e depósitos e resgates em produtos de investimento.
Com as novas regras instituídas pela Receita Federal, instituições de pagamento, bancos digitais e fintechs também deverão repassar essas informações à Receita Federal.
“Na prática, as regras foram estendidas a outras instituições, abrangendo mais empresas, mais entidades e mais modalidades de pagamento, incluindo o Pix, reforçando uma tendência crescente de monitoramento de tudo que qualquer brasileiro esteja transacionando”, afirmou Ulrich.
O economista questiona a constitucionalidade da medida e lamenta a falta de ação da sociedade civil e de membros do Congresso para barrá-la. Para Ulrich, a ampliação da vigilância estatal é um efeito colateral de uma medida que tem como objetivo principal aumentar a arrecadação do governo:
“Claro, essa é mais uma medida para monitorar tudo o que está acontecendo e conseguir arrecadar ainda mais. Esse, para mim, é um dos grandes problemas e é a marca da atual administração, a grande diligência que eles têm para arrecadar, para monitorar, para fiscalizar, para tributar mais os cidadãos, ao passo que não há quase nenhum esforço para limitar as despesas e os gastos públicos, ou seja, do desperdício do dinheiro do cidadão.”
Pix e Drex são partes do mesmo dispositivo de vigilância estatal
Ulrich lembra que o Pix foi lançado em 2020, poucos meses depois que a Meta anunciou o lançamento de um serviço de pagamento incorporado ao WhatsApp. O Brasil seria o primeiro país a incorporar a funcionalidade, mas o Banco Central vetou o lançamento do produto, vetando a abertura da infraestrutura de pagamentos do país a empresas privadas em benefício do monopólio estatal.
“A possibilidade de monitoramento das transações financeiras aumenta exponencialmente a partir do momento em que o sistema é de propriedade e controle do próprio Banco Central”, afirma Ulrich. “Quanto mais o governo concentra e controla as tecnologias financeiras, mais informações ele tem ao seu dispor,” acrescenta o economista.
Ulrich considera o Pix um embrião do que pode vir a ser o Drex, uma vez que a CBDC seja oficialmente lançada. Projetada como uma CBDC de atacado, portanto de uso exclusivo do BC e de instituições financeiras, nada impede que futuramente ela seja adotada como uma moeda de varejo para os consumidores finais.
Nesse caso, explica o economista, os correntistas terão suas contas diretamente no BC, cedendo totalmente a posse, o controle e o poder sobre seus fundos ao governo:
“Quanto mais avançamos nesse ambiente de crescente vigilância e monitoramento, potencialmente o sistema se torna muito mais prejudicial e muito mais perigoso. Hoje, o sistema está desenhado com o Pix sendo uma forma de transferir saldos e realizar pagamentos, enquanto o controle e posse dos fundos é mantido sob custódia de uma empresa privada, mas se migrarmos futuramente para uma moeda digital de banco central de varejo, em que cada cidadão tem a sua conta diretamente no Banco Central, aí o controle será absoluto.”
Ao avaliar o mandato de Roberto Campos Neto à frente do BC, Ulrich avalia que o Drex é um de seus “piores legados”:
“É uma lástima que essa inovação tenha sido lançada sob a presidência de Campos Neto.”
Campos Neto deixou a presidência do BC em 31 de dezembro, transferindo o cargo para Gabriel Galípolo, indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
A gestão de Campos Neto foi marcada por diversos avanços na agenda de inovação do BC, com destaque para o Pix, o Open Finance e o Drex.