Mark Zuckerberg, fundador e CEO da Meta, anunciou mudanças nas políticas de moderação de conteúdo nas plataformas de rede social da empresa, alinhando-se ao discurso em defesa da liberdade de expressão irrestrita de Donald Trump, presidente eleito dos EUA, e Elon Musk, proprietário do X.
Zuckerberg revelou que o Instagram e o Facebook vão abandonar recursos de checagem de fatos e filtros internos para evitar a publicação e a disseminação de conteúdos falsos ou impróprios e adotará um sistema de notas da comunidade, similar ao que foi implementado no X após Musk adquirir a plataforma.
“Antes, tínhamos filtros que escaneavam qualquer violação de política. Agora, vamos direcionar esses filtros para lidar com violações ilegais e de alta severidade”, explicou Zuckerberg. “Para violações de menor severidade, vamos depender de relatos dos usuários antes de tomarmos qualquer medida”, acrescentou.
Em uma postagem no X, Musk manifestou apoio ao anúncio de Zuckerberg, apesar da rivalidade pessoal que existe entre os dois. “Isso é legal”, escreveu.
O vídeo publicado no Instagram na terça-feira, 7 de janeiro, contém uma menção indireta ao Supremo Tribunal Federal (STF) e repercutiu negativamente entre membros de alto escalão do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Durante uma entrevista concedida à Globo News, Fernando Haddad, ministro da Fazenda, reagiu ao anúncio, sugerindo que a decisão representa um ataque à democracia:
“Tivemos hoje um anúncio de uma importante organização de comunicação mundial, global, dizendo que vai retirar de seus controles os filtros de fake news, aderindo um pouco à mentalidade de que liberdade de expressão inclui calúnia, mentira, difamação, e tudo mais, algo que nos preocupa.”
O ministro associou a disseminação de notícias falsas por meio de redes sociais ao resultado das eleições presidenciais de 2018, na qual foi derrotado por Jair Bolsonaro (PL), e à trama oculta para manter o ex-presidente no poder independentemente do resultado das urnas, em 2022:
“Nós vimos o que aconteceu em 2018 com a democracia brasileira com relação às fake news, vimos o que aconteceu depois da eleição de 2022 e dos preparativos não só de um golpe de estado no Brasil, mas do assassinato de pessoas.”
Ao afirmar que trabalhará junto com Trump para “impedir governos ao redor do mundo de irem atrás de empresas americanas, impondo a censura” sobre o conteúdo divulgado pelos usuários, Zuckerberg afirmou que na América Latina há “tribunais secretos que podem mandar companhias derrubarem conteúdo de forma silenciosa.”
Em agosto do ano passado, Alexandre de Moraes, ministro do STF, determinou a suspensão do X no Brasil, depois que Musk se recusou a apontar um representante legal no país. Em sua decisão, o ministro argumentou que Musk estava usando o X para promover e incentivar discursos extremistas e antidemocráticos. Além disso, a empresa estaria desobedecendo as leis brasileiras ao não seguir determinações judiciais para bloqueio de contas e moderação de conteúdo.
O X ficou fora do ar no Brasil por 38 dias e seus serviços só foram restaurados no país depois que a empresa pagou as multas impostas pelo STF e bloqueou perfis de ativistas políticos, conforme decisões prévias do tribunal.
João Brant, Secretário de Políticas Digitais da Secom (Secretaria de Comunicação), afirmou em uma postagem no X que Zuckerberg está se aliando a Trump para violar a soberania digital de outras nações.
Segundo Brant, a decisão de “priorizar a liberdade de expressão individual e deixar de proteger outros direitos individuais e coletivos” é um “convite ao ativismo de extrema-direita”:
“[A] Meta vai atuar politicamente no âmbito internacional de forma articulada com o Governo Trump para combater políticas da Europa, do Brasil e de outros países que buscam equilibrar direitos no ambiente online. A declaração é explícita, sinaliza que a empresa não aceita a soberania dos países sobre o funcionamento do ambiente digital e soa como antecipação de ações que serão tomadas pelo governo Trump.”
Enquanto isso, a regulamentação das redes sociais no Brasil segue sendo tema de debate nos três poderes.
Nem o STF, por meio de sua assessoria de imprensa, tampouco os ministros da corte se manifestaram publicamente sobre o anúncio da Meta.
Meta criticou o STF no passado
Em novembro do ano passado, o plenário do STF analisou dois recursos no âmbito do Marco Civil da Internet que julgam a responsabilidade de redes sociais sobre conteúdos publicados por terceiros.
Os relatores Dias Toffoli e Luiz Fux votaram pela inconstitucionalidade completa das regras atuais, que, segundo ambos, confere imunidade às redes sociais no que diz respeito ao conteúdo publicado por terceiros.
O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, abriu uma divergência ao declarar a regra atual apenas parcialmente inconstitucional. André Mendonça pediu vista e suspendeu a análise dos casos.
Na ocasião, a Meta criticou o julgamento dos casos e defendeu uma “solução balanceada”, com “diretrizes claras”:
“Nenhuma grande democracia no mundo jamais tentou implementar um regime de responsabilidade para plataformas digitais semelhante ao que foi sugerido até aqui no julgamento no STF.”
A Meta também entrou em choque com as autoridades brasileiras no que diz respeito ao uso de dados para treinamento de modelos de inteligência artificial (IA).
Em julho, uma medida cautelar da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), autarquia federal ligada ao Ministério da Justiça e Segurança, decidiu suspender o uso de dados pessoais publicados em plataformas da empresa Meta, como Facebook, Instagram e WhatsApp, para treinamento de sistemas de IA.
Em resposta, a Meta excluiu o Brasil de sua ferramenta de IA integrada aos seus produtos digitais.
Em setembro, a Meta concordou em se ajustar a um plano de conformidade proposto pela ANPD, revogando a decisão inicial de proibir o uso de dados de usuários brasileiros dos produtos da empresa para treinamento de IA. Em contrapartida, a Meta se comprometeu a notificar os usuários brasileiros sobre o uso de dados para tal fim.