Um relatório divulgado em 26 de novembro pela PiP World sugeriu que a taxa de alfabetização financeira da comunidade cripto pode ser “perigosamente baixa”, ficando bem atrás da média de alfabetização financeira nos Estados Unidos.
Sem o conhecimento financeiro básico, os usuários de cripto podem ser mais propensos a entrar em pânico durante uma queda do mercado. Por outro lado, uma base de investidores financeiramente alfabetizados ajudaria a reduzir a volatilidade crônica das criptomoedas, observam os especialistas.
“A falta de alfabetização financeira pode distorcer expectativas e viéses, fazendo com que indivíduos interpretem mal os sinais do mercado, superestimem retornos e subestimem riscos”, disse Santiago Carbo-Valverde, professor de economia na Universitat de València (Espanha), que estudou a relação entre alfabetização financeira e posse de criptomoedas, ao Cointelegraph.
Esses tipos de equívocos podem levar a reações exageradas ao negociar ativos cripto, ampliando, em última análise, a volatilidade do mercado e “também podem contribuir para a formação de bolhas cripto”, afirmou Carbo-Valverde.
Curiosamente, a pesquisa de Carbo-Valverde, que incluiu 2.121 respostas a um questionário, descobriu que os vieses cognitivos, especialmente a superconfiança, influenciam significativamente a posse de criptomoedas. Mais especificamente:
“Indivíduos cujo conhecimento financeiro auto percebido excede seu conhecimento financeiro real (viés de alfabetização financeira) são mais propensos a possuir criptomoedas.”
CONTEÚDO
Não é apenas um problema dos EUA
“Essa tendência não é exclusiva dos Estados Unidos; padrões semelhantes foram observados em várias regiões geográficas”, observou Carbo-Valverde. Parece ser uma característica do fenômeno cripto, e não uma particularidade de qualquer jurisdição específica.
Uma parcela significativa dos proprietários canadenses de Bitcoin, por exemplo, possui baixo conhecimento cripto e baixa alfabetização financeira, segundo um artigo de março de 2024 no Journal of Financial Literacy and Wellbeing que utilizou microdados da Pesquisa Omnibus Bitcoin do Banco do Canadá.
Esse estudo, baseado em uma pesquisa que avaliou a alfabetização financeira com base em três perguntas (“As Três Grandes”), elaboradas por Annamaria Lusardi e Olivia Mitchell da Escola Wharton, também revelou diferenças de gênero na alfabetização cripto entre os proprietários de Bitcoin, “com proprietárias mulheres apresentando menor conhecimento sobre Bitcoin do que os homens”.
Outros não encontram problema de conhecimento
Ainda assim, nem todos concordam que existe um problema de “alfabetização”. Ou seja, a posse de cripto ou Bitcoin pode não estar correlacionada com conhecimento financeiro deficiente.
Uma pesquisa da população dos EUA conduzida pelo Laboratório de Criptoeconomia da Universidade de Cincinnati descobriu que os proprietários de cripto na verdade pontuam mais alto do que os não proprietários na escala de alfabetização financeira, disse Michael Jones, diretor do Laboratório, ao Cointelegraph.
Essa pesquisa, assim como a pesquisa canadense mencionada acima, também seguiu os princípios delineados por Lusardi e Mitchell no desenvolvimento de sua escala de alfabetização financeira. Os proprietários de cripto, em média, obtiveram uma pontuação de 4,1 (de 5), enquanto os não proprietários tiveram uma pontuação média de 3,7, de acordo com Jones, que também é professor assistente de economia na Universidade de Cincinnati.
Jones também não encontra nada de inapropriado nesses resultados. Eles fazem sentido porque os proprietários de criptomoedas frequentemente desejam aprender mais sobre o setor financeiro tradicional. Por exemplo, se um proprietário de criptomoeda está aprendendo sobre rendimentos em DeFi, “ele pode querer aprender mais sobre taxas de juros e política monetária em geral”, disse Jones, acrescentando:
“Eu diria que a adoção de criptomoeda pode ser um veículo eficaz para aumentar a alfabetização financeira.”
Metodologias diferentes podem distorcer os resultados
Como conciliar os achados de Jones com o relatório da PiP World mencionado acima?
“Essa discrepância provavelmente surge de diferenças na metodologia e na representação da amostra”, disse Saad Naja, CEO da PiP World, ao Cointelegraph. O estudo da Universidade de Cincinnati parece focar em comparações diretas entre proprietários de cripto e não proprietários, provavelmente medindo a alfabetização financeira de forma ampla, ele acrescentou.
A PiP mergulhou mais fundo na comunidade nativa de cripto, segmentando-a por comportamento, sentimento e persona. “O que descobrimos é que a fluência técnica com a tecnologia blockchain nem sempre se correlaciona com alfabetização financeira”, disse Naja, acrescentando:
“Muitos usuários têm alto conhecimento sobre protocolos cripto, mas lutam com conceitos fundamentais como diversificação, gestão de riscos e planejamento financeiro de longo prazo.”
O achado mais surpreendente, segundo Naja, “foi o contraste gritante entre os níveis de alfabetização financeira entre diferentes personas dentro da comunidade cripto”.
Por exemplo, personas como o “hodler” ou “Whale” demonstraram taxas de alfabetização financeira relativamente altas comparadas a personas como “The Pump and Dumper” ou “The Day Trader”.
“Essa disparidade destaca que a comunidade está longe de ser homogênea, com lacunas significativas no entendimento dos princípios financeiros básicos”, disse Naja. Outra conclusão: O entusiasmo pela tecnologia não necessariamente se traduz em tomada de decisões financeiras sólidas, ele adicionou.
Uma base de usuários com conhecimento em investimentos poderia domar a volatilidade?
Alguns dizem que uma base de usuários com maior educação financeira poderia reduzir as oscilações extremas nos preços das criptomoedas, que têm atormentado o setor desde sua origem.
Investidores de varejo desinformados têm mais probabilidade de entrar em pânico durante quedas de mercado, disse Kadan Stadelmann, diretor de tecnologia da Komodo ao Cointelegraph, “ou cair em esquemas de pump-and-dump, desestabilizando ainda mais o mercado”.
“Entender os fundamentos econômicos de longo prazo para ativos como o Bitcoin encoraja os investidores de varejo a manterem ativos cripto quando os preços caem”, disse Neil Bergquist, co-fundador e CEO da Coinme, ao Cointelegraph. Isso poderia apenas fortalecer o mercado em sua capacidade de suportar amplas flutuações de preço, em sua visão.
Talvez essas descobertas não importem realmente porque muitos futuros investidores vão acessar cripto por meio de consultores financeiros e veículos de investimento como fundos negociados em bolsa, ou ETFs. Esses fundos são frequentemente geridos por gigantes da TradFi como BlackRock e Fidelity, e oferecem uma camada adicional de proteção para novos investidores.
Enquanto consultores financeiros e ETFs podem simplificar o investimento em cripto, confiar apenas nesses veículos não nega a importância da educação financeira, disse Stadelmann, que acrescentou:
“Além disso, o espírito das criptos enfatiza a descentralização e o controle pessoal, o que requer um conhecimento básico. Para aqueles que estão ativamente engajados em DeFi ou trading, a alfabetização financeira é essencial.”
Consultores e ETFs podem facilitar o acesso, mas uma educação mais ampla garante estabilidade de mercado a longo prazo e adoção responsável, disse Stadelmann.
As mídias sociais aumentam os riscos?
Alguns sugerem que as mídias sociais podem amplificar os riscos inerentes à falta de alfabetização financeira.
Um relatório de outubro sobre ativos cripto pela IOSCO (Organização Internacional de Comissões de Valores) observou que muitos investidores potenciais de ativos cripto estão nas mídias sociais, que nem sempre são a melhor fonte para informações de investimento. Esse relatório citou uma pesquisa italiana que concluiu que:
“Aqueles que dependem mais das mídias sociais para informações de investimento, sendo menos alfabetizados financeira e digitalmente e/ou mais financeiramente frágeis, podem estar mais propensos a correr o risco de tomar decisões de investimento das quais não estão plenamente cientes.”
“A dependência das mídias sociais para informações de investimento continua sendo uma preocupação significativa”, disse Carbo-Valverde, particularmente dentro do grupo de investidores financeiramente analfabetos. “As mídias sociais frequentemente amplificam desinformação, fomentam comportamento de manada e exacerbam vieses cognitivos como excesso de confiança e FOMO [medo de ficar de fora].”
“Criminosos e golpistas se aproveitam das pessoas nas mídias sociais por meio de falsos endossos de celebridades, tentativas de phishing, sites falsos para roubar informações pessoais e outros tipos de fraude”, acrescentou Berguist. Diante dos riscos, mais conhecimento e pensamento crítico em relação aos investimentos podem ser úteis.
“Se a maioria dos adotantes possuísse um alto nível de alfabetização financeira, os riscos associados às mídias sociais seriam significativamente reduzidos”, acrescentou Carbo-Valverde.
Os governos têm um papel a desempenhar aqui? Talvez leis e regulamentações com diretrizes claras possam ajudar?
Regulamentações claras sobre criptomoedas e blockchain poderiam melhorar a alfabetização financeira ao estabelecer uma estrutura que simplifique conceitos complexos e construa a confiança do público, disse Stadelmann. No entanto, “regulamentações sozinhas podem não garantir uma compreensão financeira ampla”.
Basta observar os mercados de ações dos EUA. Esses mercados têm sido rigidamente regulamentados por um longo tempo, mas “muitas pessoas ainda não possuem uma compreensão profunda de como ele funciona, incluindo conceitos-chave como ordens de mercado, dividendos ou diversificação de portfólio”, acrescentou Stadelmann.
A necessidade de ‘priorizar’ a educação
Se concordarmos que existe um déficit de educação financeira, qual é a solução? Se a indústria espera uma adoção em massa, deve se concentrar em simplificar as experiências do usuário e o processo de integração, além de educar os investidores de varejo sobre cripto e seu funcionamento, disse Bergquist.
“Nossa principal recomendação seria que a indústria cripto priorizasse uma educação financeira acessível e envolvente”, disse Naja. Isso pode começar com a integração de recursos educacionais nos processos de onboarding, aplicativos de carteira, exchanges, entre outros.
“Iniciativas como plataformas de aprendizagem gamificadas, cursos de curta duração ou até mesmo calculadoras de risco integradas podem ajudar a preencher a lacuna de conhecimento”, acrescentou Naja.
De modo geral, cabe à indústria “priorizar a educação”, garantindo que tanto os novos quanto os investidores existentes compreendam os fundamentos, os riscos e as oportunidades, disse Stadelmann.