A prisão de Alexey Pertsev, um dos desenvolvedores do Tornado Cash (TORN), na quarta-feira, 10, em Amsterdã, abre um novo precedente de repressão governamental à privacidade individual on-line. Em um mundo cada vez mais digital, em que o metaverso se apresenta como a próxima etapa de evolução da internet, a privacidade não deveria ser um luxo, mas um direito fundamental.
Sistemas distribuídos descentralizados oferecem recursos para potencializar a privacidade em níveis de identidade digital, transações financeiras e proteção a dados particulares que não deveriam ser mantidos acessíveis a qualquer pessoa ou entidade, incluindo governos.
Sob a justificativa de que a privacidade favorece atividades criminosas, o Tesouro dos EUA abrira um primeiro precedente perigoso contra a liberdade e mais especificamente sobre serviços baseados em tecnologia blockchain ao sancionar endereços vinculados ao Tornado Cash, congelando os fundos a eles vinculados.
Em seguida, o Github tirou do ar o repositório do Tornado Cash e de seus colaboradores; a Circle, emissora da stablecoin USD Coin (USDC), bloqueou US$ 75.000 vinculados aos endereços sancionados; o site da Tornado Cash foi tirado do ar; Alchemy e Infura, os dois principais provedores de infraestrutura para nós que rodam a Ethereum Virtual Machine (EVM), bloquearam o acesso ao protocolo, a exchange descentralizada dYdX bloqueou contas de usuários que interagiram com o Tornado Cash; e hoje a comunidade oficial do protocolo no Discord também foi deletada.
A prisão do desenvolvedor do Tornado Cash foi tomada como um atentado a liberdade, uma vez que o fato de escrever determinadas regras em código de programação não garante o controle sobre o uso que outras pessoas fazem delas. É bem possível que tenha sido o primeiro ato de um novo capítulo das “guerras criptográficas”, como deixou claro Ryan Sean Adams em uma postagem no Twitter.
They arrested the developer of tornado cash. 🚨
I repeat: a man was arrested for writing code that served as a public good for people to maintain their privacy online.
They put a man in jail because bad people used his open source code.
This cannot stand in any free society.
— RYAN SΞAN ADAMS – rsa.eth 🦇🔊 (@RyanSAdams) August 12, 2022
Eles prenderam um desenvolvedor do Tornado Cash
Repito: um homem foi preso por escrever um código que servia de bem público para as pessoas manterem sua privacidade online.
Eles colocaram um homem na cadeia porque pessoas más usaram seu código-fonte aberto.
Isso não pode acontecer em nenhuma sociedade livre.
— RYAN SΞAN ADAMS – rsa.eth (@RyanSAdams)
A batalha parece estar apenas começando. Por enquanto, ainda existem outras alternativas no espaço cripto para manutenção da privacidade on-line. Embora os acontecimentos dos últimos dias não deixam margens para dúvidas de que elas podem estar em risco, abaixo o Cointelegraph Brasil apresenta três criptomoedas, uma rede blockchain e uma solução de camada 2 para da Ethereum (ETH) dedicadas à manutenção da privacidade das atividades on-chain dos seus usuários.
CONTEÚDO
Monero (XMR)
A Monero (XMR) foi uma das primeiras privacy coins a surgir no espaço cripto. Ao contrário do que muitos dizem e pensam, é possível rastrear transações realizadas na blockchain devido à natureza transparente e imutável de sua tecnologia.
Considerando que cada Bitcoin (BTC) em circulação tem seu próprio número de série, ou hash, o XMR é completamente fungível e, portanto, capaz de ocultar remetentes e destinatários de transações por meio do uso de criptografia avançada. Seu objetivo é permitir que as transações ocorram em total privacidade e anonimato.
O XMR utiliza um sistema de “assinaturas de anel”. Elas vinculam diferentes assinaturas a uma única transação que, assim, é validada anonimamente, sem a explicitação do endereço que realmente a executou. Além disso, para garantir que as transações não possam ser vinculadas umas às outras, endereços secretos utilizados apenas uma vez são criados a cada transação.
A tecnologia disruptiva do Monero chamou a atenção do governo dos EUA no fim de 2020 e a Receita Federal local (IRS) ofereceu uma recompensa para quem quebrasse o código do XMR. Duas empresas de análise de dados de blockchain, a Integra FEC e a Chainalysis, dividiram o prêmio de US$ 625.000 pouco tempo depois do anúncio do desafio.
Em um ato sub-reptício na guerra à privacidade da tecnologia blockchain, recentemente a administração do presidente Joe Biden associou o Monero a ataques de ransomware. Estes golpes cibernéticos consistem na invasão de redes de computador através da instalação de um software malicioso que então é utilizado para assumir o controle sobre os dados e as operações das máquinas. Para restaurar o acesso às redes, normalmente os invasores exigem pagamentos em Bitcoin ou Monero.
ZCash (ZEC)
O ZCash (ZEC) é uma criptomoeda que usa um método de encriptação chamado ZK SNARKs, que significa provas de conhecimento zero (Zero-knowledge Proofs). Esse método permite que o remetente e o destinatário realizem transações sem revelar os endereços ou as chaves públicas da blockchain. Isso também torna essas transações não rastreáveis, encriptando todos os endereços de pagamento e o valor da transação.
Como as chaves registradas na blockchain não são endereços reais, torna-se difícil tanto rastrear as transações quanto os indivíduos associados a elas. A confidencialidade robusta de todos os dados pessoais e financeiros são diferenciais do ZCash. No entanto, estes recursos se tornam inválidos a partir do momento que o ZEC é adquirido através de exchanges centralizadas, tornando-o rastreável.
Uma curiosidade sobre o ZCash: em abril deste ano, o militante da segurança cibernética que denunciou o sistema de vigilância digital implementado pelo governo dos EUA, Edward Snowden, revelou ter participado do lançamento do ZEC em outubro de 2016.
Haven Protocol (XHV)
O Haven Protocol é um hard fork da blockchain da Monero que se apresenta como um “banco offshore”. O protocolo oferece aos usuários transações protegidas, privativas e não rastreáveis.
Assim como o Monero, o Haven Protocol também utiliza a prova de fungibilidade como recurso, permitindo que diferentes classes de ativos sejam equacionadas com base em seus respectivos valores monetários, e não apenas em função do valor nominal do token.
Com o Haven Protocol, os usuários podem criar tokens de privacidade que incorporam diferentes classes de ativos, incluindo commodities, como ouro, moedas fiduciárias, como o dólar, e outros criptoativos, como o Bitcoin.
Também faz parte do ecossistema do Haven Protocol, a primeira stablecoin algorítmica totalmente privativa atrelada ao dólar. A lógica econômica do xUSD é muito similar ao do USN, a stablecoin algorítmica do Near Protocol (NEAR). Novas unidades da stablecoin podem ser emitidas a partir da queima do XHV.
Em maio, o Haven Protocol foi implantado na Flux, um sistema em nuvem descentralizado onde os usuários do protocolo podem criar seus próprios vaults, mantendo todas as suas informações e ativos armazenados na blockchain.
Recentemente, assim como outras moedas de privacidade, o XHV ganhou popularidade se beneficiando da instabilidade geopolítica desencadeada pela invasão da Ucrânia pela Rússia e pelas ameaças regulatórias disseminadas nos EUA e especialmente na Europa.
Sob a justificativa de que as criptomoedas facilitam manobras que permitem ao governo e aos oligarcas russos contornar as sanções impostas pelo Ocidente, regras mais estritas para a comercialização e a custódia de ativos digitais poderão ser aprovadas em breve.
Desde os dias seguintes ao início do conflito no leste europeu e antes dos ataques desta semana dos governos dos EUA e da Holanda à privacidade on-chain, investidores de criptomoedas vinham recorrendo ao Haven Protocol para proteger transações financeiras de entidades fiscais e intermediários .
Secret Network (SCRT)
A Secret Network (SCRT) é um protocolo blockchain construído na rede da Cosmos (ATOM) com privacidade de dados integrada para contratos inteligentes e aplicativos descentralizados que se apresenta como o “hub de privacidade da Web3. Toda a sua atividade on-chain é privada por padrão.
Sendo a única blockchain com contratos inteligentes privados implementados na rede principal por mais de um ano, o protocolo tornou-se referência para a criação de DApps (aplicativos descentralizados) que protegem os dados dos usuários. No fim de 2021, a Secret Network promoveu uma atualização que adicionou novos recursos operacionais à rede, potencializando o desenvolvimento de projetos de games, NFT e DeFi.
Ao longo do ano passado, o volume de negociação do protocolo atingiu US$ 1 bilhão. Uma marca ainda modesta, mas que revela uma crescente demanda por privacidade na indústria blockchain. Ao menos para um nicho específico de usuários.
Em suas metas para 2022, publicadas em um documento intitulado “Schockwave”, os desenvolvedores projetaram o desenvolvimento de 100 novos projetos no ecossistema da Secret Network; o aumento do crescimento da base de usuários em centenas de milhares; e, por fim, que os principais dApps da rede atinjam a marca de 10.000 endereços únicos ativos diários.
Aztec Network
Lançada no começo de julho, a Aztec Network é uma rede de camada 2 da Ethereum que utiliza a tecnologia ZKrollup. A Aztec se beneficia da segurança da Ethereum, e, sendo um rollup, os usuários também se beneficiam do baixo custo das taxas de transação. Os seus desenvolvedores referem-se a ela como “privacidade barata”.
A Aztec Network garante a privacidade dos usuários, mas, ao mesmo tempo, também é auditável, um recurso que só é possível por causa do mecanismo de Zero Knowledge Proof – o mesmo do ZCash.
Contratos inteligentes executados na Aztec protegem os ativos a eles vinculados do escrutínio de terceiros. É possível depositar fundos na Aztec e depois sacá-los através de outro endereço. Basicamente, da mesma forma como seria no Tornado Cash.
Um dos principais diferenciais do Aztec é que os usuários podem utilizar aplicações DeFi (finanças descentralizadas), como yield farming, staking e swaps de forma totalmente anônima e privada.
Para evitar sanções como a imposta ao Tornado Cash, por enquanto a Aztec Network limita todas as transações realizadas através do protocolo ao máximo de US$ 10.000.
A Aztec Network não possui um token de governança. Assim, é bastante provável que seus primeiros adeptos sejam contemplados em um futuro airdrop caso um token venha a ser lançado.
Conforme noticiou o Cointelegraph Brasil recentemente, a comunidade cripto está mobilizada para responder à repressão estatal levando aos limites os princípios de descentralização inerentes às criptomoedas e à tecnologia blockchain.
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